Gagueira ainda é encarada como motivo de gozação

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*Por Clara Rocha

Mesmo com o avanço da sociedade, o comportamento do ser humano ainda tem muito a evoluir. Ainda hoje, pessoas com gagueira, desde crianças até idosos, sofrem preconceito em diversos ambientes de convívio social. Recentemente, nos deparamos com casos como agressão a um aluno que apresenta gagueira na escola e gozações durante contato de telemarketing com cliente que gagueja. Atitudes como estas mostram que a população em geral ainda dispõe de pouco conhecimento sobre a gagueira.
Segundo o Instituto Brasileiro de Fluência (IBF), a incidência da gagueira no Brasil é de 5%, ou seja, 9,5 milhões de brasileiros estão passando por um período de gagueira neste momento. Este número é maior do que a população da cidade do Rio de Janeiro. A prevalência da gagueira é de 1%, ou seja, 1,9 milhão de brasileiros gagueja há muitos anos de forma persistente, crônica. Este número é elevado, maior do que a população de Manaus ou Curitiba.
Muitas vezes os problemas das pessoas que gaguejam são tratados apenas como “uma dificuldade de fala”, sem levar em conta as conseqüências sociais e psicológicas que isso pode trazer. A pessoa que gagueja sabe exatamente o que quer dizer, mas tem dificuldade na automatização e na temporalização dos movimentos da fala. Mesmo assim, esta dificuldade não é compreendida e a situação sempre é motivo de piada e brincadeiras. Além disso, como a gagueira é involuntária, reprimir a pessoa que gagueja faz com que ela se frustre ainda mais com as situações comunicativas.
Como vivemos em uma sociedade em que a fala fluente é importante e comumente associada a qualidades, como facilidade de comunicação, inteligência, competência e domínio em relação a um determinado assunto, uma pessoa que gagueja pode ser vista como ansiosa, incompetente e até mesmo com problemas emocionais. Muitas vezes, é prejudicada em uma entrevista para um emprego ou em um exame oral, por exemplo. Falar ao telefone é outra situação em que o indivíduo que gagueja encontra, geralmente, grandes dificuldades. Este cenário, associado às crenças equivocadas sobre a origem da gagueira e ao preconceito contra as pessoas que gaguejam, pode provocar isolamento e outros problemas sociais e psicológicos.
Grande parte das pessoas que gaguejam se queixa, principalmente, de ter sua disfluência associada, de forma negativa, a aspectos de sua capacidade intelectual e profissional. Algumas delas mencionam não conseguir acompanhar um curso de faculdade, arrumar um trabalho ou até mesmo namorar. Por estes motivos, muitas vezes chegam a apresentar baixa auto-estima e grande sofrimento interno. Vale ressaltar que, por ser um distúrbio que não afeta a inteligência nem outras habilidades do indivíduo, a gagueira não deve impedir que a pessoa trabalhe, estude e seja bem sucedida profissional e pessoalmente.
Para piorar, é comum as pessoas não terem paciência para escutar o que a pessoa que gagueja tem a dizer, interferindo na sua fala ou até mesmo completando o que se acredita que o disfluente iria falar, criando uma situação constrangedora. Sátiras, piadas, brincadeiras, imitações e apelidos depreciativos fazem com que a pessoa que gagueja sinta-se rejeitada e até excluída do ambiente social. No entanto, algumas pessoas encaram a situação de outra forma e acabam por “usá-la” a seu favor no seu grupo de amigos ou com a família, tornando-se o centro das atenções, fazendo brincadeiras e piadas sobre sua própria disfluência. Isso também nem sempre deve ser encarado como algo positivo, pois pode ser uma forma de esconder o sofrimento causado pela gagueira.
Na verdade, todos aqueles que convivem com uma pessoa que gagueja devem encorajá-la a falar, dando atenção e demonstrando interesse em conversar com ela. Além disso, a tecnologia também evoluiu a favor das pessoas que têm gagueira, oferecendo equipamentos que melhoram a fluência da fala, em conjunto com o tratamento fonoaudiológico.

* Clara Rocha é fonoaudióloga do Grupo Microsom, uma das mais conceituadas empresas de soluções auditivas do Brasil