Carmignac: Será que os investidores precisam de psicólogos?

Share on FacebookTweet about this on TwitterShare on LinkedIn

Por Didier SAINT-GEORGES – Administrador Executivo e Membro do Comitê de Investimento Estratégico

Atualmente, não existe qualquer modelo econômico capaz de quantificar o impacto a médio prazo de um confinamento que diz atinge cerca de 50% da população mundial e cuja duração é desconhecida. O medo perante esta simples questão explica parte do colapso dos mercados de ações em um mês. Mas o papel da psicologia no comportamento dos investidores desde o início do ano não fica por aqui. Estão em jogo vários vieses psicológicos muito mais dissimulados.

Naturalmente, há um excesso de confiança. Nos anos 80, o economista Hyman Minsky explicou amplamente de que forma a estabilidade em si mesma pode gerar instabilidade ao encorajar uma tomada de risco excessiva. Como é possível não ver uma forma do pensamento de Minsky na violenta reação dos mercados à crise do Coronavírus, depois de 10 anos de descida tendencial da volatilidade dos mercados de ações.

Vem à mente um segundo tipo de viés psicológico responsável. No início do ano, quando a epidemia viral apareceu na China, não houve ninguém no Ocidente que considerasse que o assunto lhes pudesse dizer respeito. No entanto, esta negligência a priori bastante desculpável dos argumentos geográficos também refletiu duas mentalidades bem conhecidas. A primeira consiste em ver o mundo como constituído por categorias estritamente separadas, cujas preocupações e interesses são distintos ou até mesmo antagônicos. Este é o chamado viés endogrupo, que fez com que a Europa pouco se importasse com a situação atual da província de Hubei, tal como o executivo norte-americano se tranquilizou durante muito tempo depois de o epicentro da epidemia se ter deslocado para a Europa. Todavia, todos sabiam que é próprio de uma epidemia propagar-se, sobretudo em um mundo mais interligado e globalizado do que nunca. Mas o fator psicológico foi mais forte. A segunda estrutura mental em jogo é uma apreensão menos clara das progressões geométricas do que das aritméticas. Que uma progressão de 25% por dia representa uma triplicação a cada cinco dias, de 1000 casos diários para 30000 em duas semanas, é fácil verificar, mas é algo que custa à mente humana imaginar. A língua inglesa exprime-o melhor do que qualquer outra: perante uma curva de progressão exponencial, a mente humana está constantemente “behind the curve” (atrás da curva). Esta mentalidade levou a maior parte dos observadores, incluindo os investidores, a subestimar constantemente a velocidade da propagação da epidemia. Consequentemente, não se prepararam antecipadamente e entraram em pânico ao descobrirem o seu atraso. Ainda hoje alguns comentadores parecem diariamente surpreendidos pela evolução da epidemia desde o dia anterior.

Por fim, uma última estrutura mental que desempenhou certamente um grande papel na gravidade das consequências econômicas eminentes da pandemia e no colapso dos mercados de ações. Esta consiste na relação extremamente difícil com os riscos estatisticamente atípicos. A mente tende a ver os eventos sob a forma simplesmente probabilística, isto é, tentando antecipar o cenário mais

provável, ampliado por um intervalo de confiança razoável em torno do cenário central. E, naturalmente, o que nunca ou quase nunca ocorreu é estatisticamente negligenciável, extremamente afastado do intervalo de confiança, podendo assim ser ignorado. O problema com esta estrutura mental é que ignora estes eventos extraordinários raros, mas que mudam tudo. É por esse motivo que a Pompeia foi construída a uma distância provavelmente suficiente do Vesúvio há muito adormecido, ou que o Japão construiu as centrais nucleares viradas para o oceano, pois estavam protegidas por muros de proteção que seriam suficientes para os poucos tsunamis sofridos no passado. Este menosprezo pelo risco dos famosos Cisnes Negros, tal como teorizados pelo ensaísta Nassim Taleb como eventos imprevisíveis de impacto extremo, é certamente um fenômeno atemporal, mas talvez reforçado pela preocupação de otimização da nossa modernidade. Obter grandes margens de segurança, construindo, com elevados custos, muros de proteção mais elevados do que nunca na costa leste do Japão, não teria sido o ideal. É este mesmo custo de oportunidade que foi atribuído à gestão da crise da H1N1 por Roselyne Bachelot em 2009 e é a crítica que atualmente se faz às medidas dispendiosas envolvidas na gestão do risco de aquecimento global. De igual modo, duplicar as suas cadeias de fornecimento ou não se endividar apesar das taxas de juros muito baixas durantes os últimos dez anos não teriam sido comportamentos economicamente ideais. Apenas teriam reduzido a fragilidade. Entre os agentes econômicos, existe uma relação direta entre a otimização e a fragilidade, do mesmo modo que existe entre os esportistas de alto nível ou os veículos de competição. É a fragilidade intrínseca dos mercados, a contraparte do seu desempenho notável alimentada há uma década pelas políticas monetárias excepcionais, que explica em grande parte o seu fracasso perante o choque do coronavírus.

É próprio da natureza humana procurar celebrar um seguro depois da ocorrência de um sinistro. Consequentemente, é provável que consumidores, investidores, empresas e governos ganhem nesta crise uma maior lucidez para os próximos anos na forma de abordagem estatística da gestão de risco. Mas se todos os agentes econômicos seguirem este caminho, a taxa de poupança das famílias terá tendência a aumentar, as produções de baixo custo a relocalizarem-se e o endividamento a ser ignorado. O mundo econômico poderá tornar-se mais seguro, mas o crescimento será mais fraco, as empresas serão menos rentáveis e os mercados de ações terão desempenhos inferiores. Solidez versus otimização.